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Não crie somente anúncios: seja mais humano

Muitos de vocês devem ter visto, nas últimas semanas, um vídeo de um americano chamado Nathan Apodaca, no TikTok (e depois nos grupos de amigos nos mensageiros, como WhatsApp por exemplo). Esse vídeo simples e caseiro mostra Nathan andando de skate para o trabalho, bebendo um suco de uva vendido nos Estados Unidos chamado Ocean Spray Cranberry Juice e cantando o clássico “Dreams” da banda Fleetwood Mac. Se não assistiu, assista!

Embora isso tenha acontecido há algum tempo, quero conversar com vocês sobre essa sensação peculiar do vídeo como um exemplo da transição radical da indústria da propaganda para o tempo das mídias sociais

Assistimos ao declínio inevitável do marketing/propaganda tradicional e a ascensão do consumidor como nosso “profissional” de marketing. Grande parte das ações de comunicação das marcas já está ocorrendo sem uma agência específica para tal. O marketing hoje requer uma nova mentalidade. Como podemos fazer isso nos dias de hoje?

Vamos ao estudo de caso dado pelos ensinamentos desse vídeo em cinco lições importantes.


Modelo do comercial mais humano




Com mais de 70 milhões de visualizações e contando, este vídeo caseiro foi mais eficaz – de longe – do que qualquer anúncio que a marca Ocean Spray e suas agências criaram nos 90 anos de história da marca.

O vídeo impulsionou as vendas de bebidas e quase dobrou o valor do preço das ações da Ocean Spray. Para completar, “Dreams” alcançou o primeiro lugar no iTunes e voltou às paradas da Billboard pela primeira vez desde 1977. E olha que eu adoro essa música!

Pare e entenda o poder do que aconteceu

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O cara que fez o vídeo não era uma celebridade ou influenciador digital. Ele só gostava de suco e precisava começar a trabalhar. Filmou enquanto se deslocava de seu trailer, onde vive com problemas de falta d’água e cortes de eletricidade por ausência de pagamento. Ou vivia. Em seguida, seu carro quebrou, o que o forçou a pegar a estrada com seu longboard.

Ele chegou rapidamente, a tempo de começar o seu turno de trabalho em uma fábrica de batatas. Pasmem, ele até pensou em excluir o clipe e começar o dia, especialmente porque aparelhos de celular são proibidos no chão de fábrica. Ainda bem que não fez isso, pois ao final de sua segunda pausa, já tinha 2 milhões de visualizações. Isso mesmo: 2 milhões!

Por um lado, o cara viveu o “sonho americano” em um clipe de 20 segundos. Mas, por outro lado, uma história de como a vida pode ser precária para tantos americanos, brasileiros e pessoas ao redor do mundo, especialmente nestes tempos de COVID.

O vídeo é real, cru, humano e vulnerável. De um modo geral, tudo o que os anúncios de propaganda pensados por agências não são.

Uma marca mais humana vence!


A história a seguir parece bizarra, mas juro que é verdade.

Já dei palestras em universidades nas quais não há uma única aula de graduação em estratégia ou posicionamento digital para estudantes de administração, comunicação e marketing. E isso não faz tanto tempo assim. Já ouvi dizer que mídia social é uma moda passageira, até. Claro que ela vai mudar e melhorar. Ela precisa também de mais regulação no que se refere a proteção de dados. Sou defensor disso. Mas com certeza não vai mais deixar de existir e ser cada vez mais importante.

Mas negar a importância dela como muitos profissionais e empreendedores fazem é inacreditável. Ainda vejo essa negação em grande parte da indústria de comunicação. Demoraram para acordar para isso. Ou ainda estão dormindo. A maneira tradicional de fazer anúncios que podem concorrer a algum tipo de prêmio é colocada em um pedestal por nossas universidades e agências enquanto elas negam as mudanças que ocorrem bem na frente de seus olhos.

Criar anúncios bonitos é fascinante. É o que muitos sabem fazer e são muito bons nisso. Conhecer celebridades e artistas e exibir troféus essas agências é sexy.

Mas o cara do skate está ganhando dinheiro. Será que esse vídeo finalmente será um alerta? Eu duvido. E não só eu!

Transição para o marketing centrado no ser humano

As grandes empresas e marcas reconhecidas se perguntam como fazer essa transição para o marketing centrado no ser humano? A resposta normalmente é “Não sei”. Não sei mesmo. As pequenas empresas parecem muito mais bem posicionadas para colocar rostos humanos reais, sorrisos e compaixão no centro de uma estratégia de marketing.

Mas acho que há algumas lições desse vídeo que virou um “comercial inesperado” e extremamente humano de bebida de frutas.

1. Não tem como planejar algo viral em comunicação

Imagino que haja um milhão de marcas esperando fazer seu próprio vídeo de skate agora. Mas os nativos digitais saberão que isso é oportunista, se não totalmente estúpido, e entenderão a premissa. Então, vamos dar um tempo nisso agora. Você não pode se planejar para algo viral. Ele simplesmente acontece. Mas você pode semear as sementes.

2. Participe das conversas com o seu consumidor

Falei acima que dois terços de marketing está ocorrendo sem profissionais da área ou agências. O legal hoje é ser convidado para aquela conversa com o consumidor. Não podemos comprar nossa entrada. Esse relacionamento tem que começar com CONFIANÇA. Ninguém compartilhará conteúdo positivo sobre uma marca da qual desconfia. Você compartilha?

Em vez de manipular os consumidores, como podemos ficar ao lado deles – ajudá-los, entretê-los, fazê-los ficarem encantados? Esse deveria ser o foco do marketing nos dias de hoje.

3.Ninguém controla mais sua própria marca

Parece estranho, mas não estamos no controle da mensagem das nossas próprias marcas. 

Se uma agência de comunicação fizesse a proposta da criação de um vídeo similar ao do Nathan para a mesma marca, possivelmente alguém que tem o poder de decisão por lá falaria, entre outras coisas que ele não representaria o grupo demográfico central que é donas de casa que moram em regiões mais humildes. Alguém do jurídico não aprovaria o vídeo porque o homem está se envolvendo em um comportamento de risco ao andar de skate sem proteção, afinal ele nem está usando capacete. E mais: ele está bebendo direto da garrafa. Isso está fora do que queremos para imagem da nossa marca. E finalmente, vão dizer que mal se consegue ver o produto. Iriam pedir para aumentar o logotipo e assim por diante.

Mas o vídeo funcionou exatamente porque a marca não está mais no controle das mensagens. O cara do skate que está. E é isso que importa. Uma marca costumava ser o que uma empresa dizia que era. Hoje, marca é o que dizemos uns aos outros.

4. Experiências que gerem engajamento

Muitas marcas são obcecadas pelo “engajamento” como uma métrica de marca. Não existe uma relação direta entre o engajamento e o valor comercial mensurável. Não estou falando que não é interessante levar esse indicador em consideração. Mas que tipo de experiência podemos oferecer que seja tão legal, tão divertida, tão inspiradora, que as pessoas vão pensar: “Eita, preciso tirar uma foto disso e postar!”.

É assim que entramos na conversa, ganhando espaço. As pessoas estão encontrando todas as maneiras de evitar, pular e bloquear os anúncios das marcas. Mas eles ficarão atentos e abertos para uma experiência inesquecível e então contarão a todos os seus amigos sobre ela.

Essa marca de suco americana teve sorte com esse sucesso, mas há muitos exemplos de empresas que estão adotando o marketing experimental para inspirar o conteúdo orgânico do cliente. Você já  colocou isso na pauta da sua estratégia?

5. Siga no fluxo de conteúdo

Um dos maiores problemas com as ações das marcas nas mídias sociais é que o conteúdo não é orgânico para a experiência. Não gera nenhum envolvimento se não for pago para tal.

Muitas marcas estão orgulhosas de ter uma presença no Instagram, mas elas não fazem postagens do Instagram, fazem anúncios. Não é nativo do fluxo de conteúdo. Apenas se destaca como algo que devemos pular e evitar.

Seja a empresa mais humana em seu mercado

Nos últimos meses, dei e assisti muitas palestras online. E aqui está a minha mensagem: Vence a empresa mais humana.

Esta não é apenas minha opinião. Podemos literalmente ver essa tendência de marketing centrada no ser humano se crescendo rapidamente, especialmente nesta era do COVID.

A razão pela qual o vídeo do Nathan funcionou como o comercial mais humano é porque não foi forçado, nem polido, nem fortemente marcado. Foi completamente humano. E a melhor maneira para as marcas se conectarem de maneira semelhante é parar de anunciar e apenas se juntar a nós como seres humanos que tentam sobreviver em tempos difíceis, se divertir e chegar ao nosso turno na fábrica de batatas na hora certa.


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Prof. Alberto Claro

Doutor em Comunicação Social; Professor de Administração da UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo; Sócio investidor da CRM Zen e da PART Eventos; Diretor de Comunicação (voluntário) da Casa da Esperança de Santos®; Palestrante nacional e internacional na área de Administração, Comunicação e Marketing.